sábado, 9 de janeiro de 2010

Nunca aprendeu a ver para além de si – a pior pessoa do mundo, um eterno insatisfeito. Agarra na tinta e atira-a contra a tela, um martírio da alma a cada mancha que produz, a cada gradação de cores que lhe leva um pedaço de si – desvanecendo-se tão depressa e imperceptivelmente como a mudança de tom na tela – porque ele é assim mesmo: irreparavelmente mutável. A tinta vermelha que escorre das suas mãos – que chocam com a tela agora – grita a monstruosidade que há em si. “É minha”, pensa quando se deixa cair sobre a tela numa aguda dor de desejo que lhe percorre o corpo como se ele e a sua obra fossem um só: uma simbiose como que perfeita, impenetrável e macabramente inalcançável, “É minha até às suas profundezas”, atira-se a ela e, consequentemente ao seu próprio interior, apoia o rosto com força contra o pano áspero, aperta-o com os dedos compulsivos a escorrerem tinta da cor da sua alma, arranha-a e volta a apertá-la, sente-se frio e desorientado e aquela paixão assusta-o, nada o pode separar a si e aos seus pincéis da obra produzida, ofereceu-lhe o espírito e a vida e a dívida será eterna, o pintor é a obra e não o corpo que carrega como um cadáver que carece de vontade própria, o pintor vive nas manchas e nos traços fortes e leves que gritam a sua dor e o seu medo, vive em cada pincelada eternamente cravada na tela como uma hipotética cicatriz perpetuamente em ferida aberta. Nunca aprendeu a ver para além de si – em cada retrato e em cada rosto, a única realidade que vive na sua obra é ele mesmo e nada mais. A arte não tem mensagens que não as entranhas de quem a criou. A arte não possui ciência alguma que não a dos eternos perdidos do mundo: é dos livres, é absolutamente inútil.
(and so do I)

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