quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

MmmmMMmmmMMmm.

Há um dia assim para todas as pessoas como eu: de repente, o mundo pára – perdemos o controlo sobre o nosso corpo e os nossos olhos desfazem-se, o nosso peito grita e toda a vida morre em nós. Há um dia assim para todas as pessoas como eu: o dia em que entendemos que estamos tão agarrados a uma coisa que não a podemos mais largar.Todas as noites esvazio o coração, mas quando o céu acorda, de manhã, volta a encher-se: quando a desfalecida luz do sol chega até aos meus olhos desidratados percebo que é um novo dia e que tu voltaste como nunca deixaste de fazer - estou a transbordar de ti, por cada poro, a cada gesto, a cada batimento cardíaco e a cada bafo de oxigénio que levo aos pulmões para impedir que tudo acabe naquele instante. Eu estou doente apenas, as músicas que eu ouço já nem falam de ti e tu já nem estás nos olhos da multidão com que lamentavelmente cruzo os olhos na rua – tu és a música e a multidão, tu vives de dia e de noite a cada exalar meu e cada mancha de tinta minha és tu, cada voz ao meu ouvido és tu, cada cabelo louro que se arraste a quilómetros de mim és tu, cada língua estrategicamente guardada entre os meus dentes é a tua e já nada resta de mim: tu nem sequer me levaste, ocupaste o meu lugar e desapareceste para sempre com a minha vida em ti. Eu perdi-me há muito tempo, desaprendi o mundo e as pessoas e esqueci-me de respirar, esqueci-me de aprisionar vida dentro de mim porque da última vez que tombaste a cabeça para mim e me completaste naquela fracção de segundo imperceptível ao mundo eu dei-te tudo e fiquei sem nada: morri dentro de ti, nas tuas mãos, na tua boca e no teu peito e valeu por todos os dias de existência que queimei desde então. O tempo passa, o relógio congela e descongela conforme lhe apetece e já não me desacomoda nem desassossega: chega o dia em que percebemos que estamos tão agarrados a uma coisa que não a podemos mais largar – chega o dia em que percebemos que o tempo parou e que nunca mais deixaremos de procurar pelo mesmo perfume, pelo mesmo sorriso, pelo mesmo hipotético e desejável sussurro deixado para trás.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Homesick.


“Tanta gente a morrer à fome e esta quantidade de sobras do jantar, é pena”. Cada palavra me enjoava ao chegar-me à cabeça e acelerava-me o sangue no corpo, as náuseas tomavam conta de mim e, com força, apertei os punhos contra a mesa para conter o turbilhão que cada um daqueles decibéis produziu dentro de mim. Mas quem és tu afinal? Quem és tu para dizer que é pena? Quem és tu para te vitimizares quando isso nem te acanha, quem és tu para tentar fazer de umas palavras de merda uma hipotética boa acção? O que é que tu fazes contra isso para teres a lata de dizer que é pena?
Estou cansada de vocês apenas, cansada e doente desta hipocrisia constante que não se desintegra faça eu o que fizer, deste fingir que se apoderou de vocês e me tenta transformar também a mim de dia para dia, estou cansada de representar num palco que nunca me deram a escolher – estava lá para mim apenas e eu não tinha opção. Ninguém tem o direito de viver por mim – eu não sou quem vocês pensam, não tenho o amor que vocês sonharam para mim nem sou o fantoche que vocês podem manipular para viver o que vocês não viveram e para ser o que vocês não foram. Pedir-vos-ia desculpa noutra altura, mas não agora – não quando, de dia para dia, percebo que afinal o mundo é feito para as pessoas más e que vocês não são excepção.

sábado, 9 de janeiro de 2010

Nunca aprendeu a ver para além de si – a pior pessoa do mundo, um eterno insatisfeito. Agarra na tinta e atira-a contra a tela, um martírio da alma a cada mancha que produz, a cada gradação de cores que lhe leva um pedaço de si – desvanecendo-se tão depressa e imperceptivelmente como a mudança de tom na tela – porque ele é assim mesmo: irreparavelmente mutável. A tinta vermelha que escorre das suas mãos – que chocam com a tela agora – grita a monstruosidade que há em si. “É minha”, pensa quando se deixa cair sobre a tela numa aguda dor de desejo que lhe percorre o corpo como se ele e a sua obra fossem um só: uma simbiose como que perfeita, impenetrável e macabramente inalcançável, “É minha até às suas profundezas”, atira-se a ela e, consequentemente ao seu próprio interior, apoia o rosto com força contra o pano áspero, aperta-o com os dedos compulsivos a escorrerem tinta da cor da sua alma, arranha-a e volta a apertá-la, sente-se frio e desorientado e aquela paixão assusta-o, nada o pode separar a si e aos seus pincéis da obra produzida, ofereceu-lhe o espírito e a vida e a dívida será eterna, o pintor é a obra e não o corpo que carrega como um cadáver que carece de vontade própria, o pintor vive nas manchas e nos traços fortes e leves que gritam a sua dor e o seu medo, vive em cada pincelada eternamente cravada na tela como uma hipotética cicatriz perpetuamente em ferida aberta. Nunca aprendeu a ver para além de si – em cada retrato e em cada rosto, a única realidade que vive na sua obra é ele mesmo e nada mais. A arte não tem mensagens que não as entranhas de quem a criou. A arte não possui ciência alguma que não a dos eternos perdidos do mundo: é dos livres, é absolutamente inútil.
(and so do I)

domingo, 3 de janeiro de 2010

(Só tu) me vês.

João Paulo nunca tinha gostado de praia, mas naquele fim de tarde nada disso importava, baixou-se e encostou o joelho à areia húmida e sentiu-a colar-se à sua pele, agarrou na mão de Alice e beijou-a, dedo por dedo, depois a palma, depois o anel que lhe tinha oferecido há vinte e três anos atrás. Encostou a mão dela ao seu peito a explodir, não lhe largou os olhos por um segundo, “Hoje é oficial, Alice, queres casar comigo?”. Ela sabia-o, sabia-o desde o momento em que se tinham cruzado pela primeira vez mas naquele fim de tarde nada disso importava, naquele momento tudo era novo e assustador, os seus olhos quiseram chorar, a sua língua quis falar e dizer-lhe tudo, quis bater-lhe com força e gritar alto com ele, quis saltar de alegria e tremer de medo ao mesmo tempo, quis dizer-lhe que o odiava e que o amava mais do que tudo na vida, “Sim, quero. Sim, sim, sim”, ela sabia-o, Alice e João Paulo estavam casados desde a primeira vez em que as suas mãos se entrelaçaram, Alice e João Paulo eram um só desde a primeira vez.