segunda-feira, 7 de abril de 2008

Cinco E Vinte Da Tarde ( Parte II ) .

O aperto no meu coração era cada vez mais forte à medida que proferias tais palavras, à medida que via os teus lábios mexerem em direcção à rejeição. Eu já o sabia. Sempre o soube, e na minha cabeça sempre o tentei adiar, mas eu sabia, sabia mesmo que mais cedo ou mais tarde ia acontecer. E foi nesse dia que eu percebi, que apesar de meio ano de espera tudo fora em vão, nada passara de uma paixoneta para ti, percebi nesse dia que tudo o que eu te dei foi um pensamento soltado no ar, deixado vaguear sem destino.Foi nesse dia que a razão me atingiu o coração, que a razão guardada na minha mente chegou ao destino. Foi nesse dia que percebi que tu morreras, e que não havia nada que te acordasse dos mortos.
As lágrimas escorriam-me pela cara, cortavam como facas, rasgavam os meus lábios e punham um amargo salgado na minha boca, que fazia lembrar o toque da tua língua, e que fazia com que mais ainda se formassem. Secava-as em vão, nada fazia com que parassem, a dor dentro de mim era intensa e bruta, e não parava, era cada vez pior, mais agoniante, mais dolorosa.E de repente senti-me desidratada, já estava a chorar há cerca de três horas, mas perdi por completo a noção do tempo. As lágrimas secaram, já tinha esgotado todas as reservas líquidas do meu corpo, e caí no chão, mas a minha alma ainda doía, ainda chorava. O chão estava mais duro do que sempre, parecia mais impenetrável do que sempre, e a luz esbatia-se, ao longe, fugia de mim, eu era um repelente de alegria, um repelente de um mínimo de felicidade. Parte de mim morrera naquele dia, às cinco e vinte da tarde, naquele dia que deveria ter sido um igual a tantos outros, mas foi Aquele Dia, e eram Cinco E vinte Da Tarde.
Abri os olhos. Não sei quanto tempo dormi, parecia-me já não existir tempo. Olhei para o relógio e eram cinco e vinte da tarde, outra vez cinco e vinte da tarde, e num gesto instintivo coloquei a mão no peito. Não sentia o bater do coração, sentia-o longe, sentia que já não o tinha dentro de mim. Senti um vazio inexplicável dentro do meu corpo, porque era mesmo assim, eu já não passava de um corpo. O coração já lá não estava, já alguém o havia levado, e não fora durante o meu sono, já havia sido há muito tempo. Levantei-me, mas faltava-me força. A minha pele ardia, os meus lábios estavam secos, e toda a água, a fonte da vida, estava perdida de mim. Arrastei-me para outra divisão da casa, mas doía-me o peito, e o esforço intensificava a dor. Queria chorar mas não conseguia, estava tão vazia de água como de vida. Bebi. Bebi como se a continuação do mundo dependesse disso, bebi como se fosse a última vez que via água, bebi como se mais nada importasse.A minha pele começava finalmente a recompor-se, a ganhar cor outra vez, a deixar arder. Os meus lábios estavam carnudos de novo, o meu corpo começava a receber vida, mas o meu coração continuava sem bater. Continuava a senti-lo fora de mim, continuava aquela dor aguda no meu peito, e teimava em ficar. Quando voltei com a mente à realidade, senti medo, medo de tudo o que se tinha passado, eu não conseguia compreender o que se passava comigo, não conseguia compreender a ausência do meu coração, a dor no peito e o vazio do meu corpo. Olhei-me ao espelho, e tudo estava igual. Tinha a mesma cara de sempre, o mesmo corpo de sempre, mas o coração permanecia fora de mim e a dor no peito teimava em ficar.
Lembrei-me de ti, do teu olhar amendoado, do teu cabelo doirado e da tua forma de andar. Lembrei-me desse teu ser, dos teus lábios perdidos nos meus, do teu perfume e das tuas mãos enlaçadas nas minhas. Lembrei-me do dia em que me disseste que eu era tudo de ti. Lembrei-me das cinco e vinte da tarde passadas contigo, e lembrei-me também do último olhar que me dirigiste. E tive vontade de chorar, na verdade eu tentei produzir lágrimas, mas o meu peito doía demasiado, e não tinha forças para tal, não tinha capacidade para desperdiçar água do meu corpo. Mas a minha alma, essa chorava, essa não ia parar nunca, essa sentia a falta do teu ar a todos os segundos. A certa altura senti a respiração difícil, e percebi que tal facto se dava porque o ar, o ar que eu respirava já não era respirado por ti. Doía-me o peito e a entrada do ar porque o ar, o ar que me entrava já não te entrava a ti também, porque tu estavas morto, estavas morto e nada te iria fazer voltar. E foi nesse momento, em que eram cinco e vinte da tarde, que percebi que a dor no peito ia ser eterna, porque não havia nada que te acordasse dos mortos.E hoje a dor no peito ainda a sinto, ainda dói como no primeiro dia, e são cinco e vinte da tarde outra vez . Mas apesar de tudo, as reservas de água esgotaram-se, e também foi para sempre. E talvez tenha sido por isso, por pedido do meu corpo, do facto de eu ser Humana, que fez com que hoje, às cinco e vinte da tarde, eu desistisse de Ti. E isso também para sempre.

2 comentários:

Anabela Magalhães disse...

E desististe muito bem. Às vezes desistir é o mais inteligente e é o caminho para o fortalecimento interior. Depois do Inverno vem a Primavera e depois da noite vem sempre o dia. Não te esqueças disto. E o teu texto está lindo. Muito sofrido. Lindo.
Posso postá-lo no meu blogue?

Vera Matias disse...

Era com muito prazer que tinha um texto meu nesse blogue :D
Beijinhos.