quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

"Always Forget How Strange It Is Just To Be Alive It All"

Há uns tempos o frio gritava lá fora e dei com ele a cantarolar qualquer coisa que não percebi o quê, a boca a esboçar um sorriso e os olhos fechados, "Estou-me a cagar", disse-me, e continuou a cantoria, sozinho. Não me pediu cigarros nem dinheiro: estava a cagar-se. Continuei como nunca desaprendi a fazer, tu a apareceres-me, o frio a ganhar força e o dia a apagar a luz para que a noite nos embalasse enfim. Pergunto-me onde estará agora que não tem casaco para se cobrir nem ombro para dormir. "Amiga", é como me chama porque nunca lhe disse o meu nome. "Amigo", é como lhe chamo porque não sei quem ele foi nem para onde quererá ir um dia. E é tudo. Espero que continue a cagar-se. Numa altura agarrou-se a mim a chorar, numa altura em que não estava a cagar-se. Doía-lhe e doía-me. Nessa altura cravou-me uns cigarros. Nunca lerá isto, nunca saberá que falei nele, que dei, um dia por acaso, conta de que existia. Gostava de ir contra ele outra vez, numa qualquer altura, "Amiga", era o que me diria, "Não me arranja uma moedinha, por acaso?", na certeza de que eu a teria no bolso por acaso e lha ia dar por acaso. E de novo a cantoria, o sorriso cravado na cara gasta, "Estou-me a cagar", e eu a cagar também, os dois pela rua fora até ninguém nos ver, a deixar para trás aquela que escrevia, a Vera, a olhar para nós, a entrar no café e a instalar-se de cotovelos na mesa e mãos no queixo, contigo a aparecer outra vez diante de um tampo vazio.

Life Is A Song - Patrick Park (sempre tua.)

1 comentário:

R. Branco disse...

Este é um dos teus melhores textos se não o melhor. Continua assim, nunca demasiado vago - nunca demasiado explicito.

"Aime-moi moins, mais aime-moi longtemps"