sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Febre.


Tu és febre.
Lá em cima, na cidade dos deuses, entre toda a sabedoria e todos os comandos mundanos, talvez exista alguém responsável pelo interruptor do tempo. Se o conhecesse, naquela noite ter-lhe-ia pedido que o congelasse para sempre.
O vento respirava um hálito frio e húmido, um hálito vindo do inferno para desfazer tudo à sua volta, um hálito que não se ia embora e cujo objectivo era subir-nos pelas pernas e pela espinha e chegar-nos ao coração para nos deixar ali sem vida. Enrolava-se-nos no pescoço e tentava sufocar-nos, tentava arrancar-nos a alma, torna-la gelada e morta e leva-la para longe, para onde nunca mais ninguém a pudesse encontrar. O sol já tinha adormecido, as pessoas já se tinham escondido e nada mais no mundo fazia sentido agora. Enquanto o gelo se tentava apoderar do meu corpo, a tua língua desenhava-me os lábios com todos os detalhes, enquanto o frio me tentava matar, os meus dedos enterravam-se com mais força por entre os teus fios de cabelo e tu mantinhas-me viva, enquanto a noite e o escuro tentavam levar-me a alma, o teu coração a explodir e as convulsões das tuas mãos nas minhas costas mantinham-me presa à terra.
Tu és febre - a minha maior alucinação.
E o mundo nunca mais foi o mesmo. Nunca mais vi o dia nem a noite, nunca mais olhei para as estrelas e o meu coração ficou para sempre congelado ali, no lugar onde eu queria ver o tempo parado eternamente, entre as árvores escuras e o rio negro e o frio mortal, onde nós éramos a única forma existente de vida, onde a tua boca expirava ofegante para dentro de mim, onde o teu cheiro me atordoava e me tirava os sentidos, onde tu e eu éramos um único ser e nada mais importava. O sol nunca mais nasceu, eu nunca mais fui eu, e a minha febre nunca mais passou.
Tu és a minha febre.
E eu não me quero curar.

1 comentário:

R. Branco disse...

O importante não é parar o tempo mas voltar aquele momento, vezes e vezes e torna-lo eterno.
(Febre nesta altura não é bom sinal)