sábado, 22 de novembro de 2008

Atenuantes (E Dores De Cabeça)

- Achas que os pais deviam morrer?

- Andas a beber? Se fosse eu a mandar não morriam. Mas não sou. Eu adoro a minha mãe, mas sei que em situações normais será inevitável ela não morrer. Agora, como é que lido com isso? Como é que tu lidarias com isso?

- Não sei. Não sei mesmo.

- Claro que não sabes. Ninguém sabe.

- Em princípio, uma pessoa tem nos pais as pessoas mais importantes na sua vida. Tu tens, digamos, dois tipos de programação: A genética e a educacional. E a segunda, é quase totalmente dada pelos pais. E, sinceramente, faz-me muita confusão imaginar-me sem os meus pais. Mas começa primeiro por imaginar a não-existência. Já pensaste no que é isso de “morrer”?

- É nunca mais existir, e é isso que me tortura, os pais não deviam morrer, eles existem para estar com os filhos e para nunca se irem embora.

- Agora estás a ser extremamente infantil.

- Não, não estou, e sei muito bem que sentes o mesmo, não me venhas com essas tretas das programações educacionais e genéticas.

- Claro que eu sinto que eles são extremamente importantes…

- Claro que sentes! Tu amas os teus pais, são eles aquelas pessoas que tu sabes que nunca te vão desiludir, que te protegem sempre, que tudo. E viver sem eles para sempre seria como andar por aí perdido, sem um porto seguro, e todos precisamos de um.

- Não digo que não, mas… Sabes que é inevitável, um dia. Mas pensa em ti primeiro: Já pensaste como seria contigo? A não-existência não te diz nada?

- Não, nada. Porque nesse momento vou sentir exactamente isso: Nada. Portanto, isso não me inquieta nem assusta.

- É claro que te assusta, se pensares bem, assusta. Afinal, qual é a coisa que te faz Tu?

- Não sei.

- A memória. É ela que te faz tu, o conjunto de experiências, o que já fizeste, o que queres fazer, o significado. Tu só és tu porque te lembras.

- Sim. Se não me lembrasse, podia ser outra pessoa qualquer.

- Exactamente. Quanto à não existência, podemos considerar que quando há ocorrência de mortes celulares e bla bla bla, a tua memória… PUF, capiche?

- Mas há um enorme problema: Imagina um bebé, acabadinho de nascer, não sabe falar, nem andar, nem sabe sequer que o mundo existe, mas… Ele continua a ser ele, não é?

- Será que tu o podias considerar Ele? Será que ele é Ele?

- Claro que ele é Ele!

- Porquê?

- Porque… Sei lá. Então o que é?

- Os bebés normalmente são parecidos uns com os outros, certo? Agora, como reconhecer os bebés ignorando as variantes físicas? Será que há um ponto da nossa “vida” no qual não saibamos nada? (saibamos = lembremos). Quanto à não-existência, será possível retirar alguma conclusão da total absolvição?

- Claro que não, porque se estás absolvido, depois nunca te vais lembrar (= saber) de nada desse momento, não podendo nunca tirar conclusões.

- E atenuantes? Achas que é possível?

- Não sei.

- Já ouviste falar de Van Gogh? E Aristóteles? E Platão? E Newton?

- Claro que já.

- E sabes quem eles são?

- Não. Conheço parte da obra deles, o que não me leva a conhece-los.

- Será que não? Tu sabes que a obra deles é deles, certo?

- Sim…

- Então podes confirmar que a obra deles é o seu legado, a memória que deixaram ao mundo.

- Talvez…

- E se te falarem na “Lei Da Atracção Gravitacional” tu sabes automaticamente que foi o Newton.

- Sim. E então?

- Sabes há quantos séculos viveu Aristóteles?

- Há muitos, para aí 5 a.C.

- Porque é que as pessoas sabem quem ele é?

- Por causa do que ele fez, não pelo que ele foi.

- Isso é semântica.

- O que ele fez num espaço de tempo alargado, é o que ele foi.

- Achas que se neste preciso momento morresses alguém se ia lembrar de ti daqui a 26 séculos?

- Será que isso interessa? Será que na tua não-existência te vai interessar se se lembram ou não de ti?

- Para a tua não-existência tu não tens qualquer tipo de absolvição de verdade última, mas tens atenuantes, e o facto de a tua memória perdurar é uma delas. A tua memória és tu.

- Isso comprova o que eu disse. Achas que Aristóteles se importa se se lembram ou não dele?

- Sim e não, ao mesmo tempo.

- Ele trabalhou pelo ímpeto de ser sábio, de pensar, de viver com os olhos virados para a luz.

- Mas agora, achas que isso lhe importa? Importou-lhe um dia, na existência dele, mas não agora.

- Ele não existe?
- Não, porque no contexto desta conversa, não-existência = morte.

- Então quem foi que elaborou as primeiras teorias sobre eclipses? Quem foi o pai da metafísica?

- Então, se eu morrer agora, vou existir. Alguém vai notar que o computador ficou ligado, e apesar de eu estar morta, existo, porque se o deixei ligado, fiz alguma coisa, logo tu não és as tuas memórias, mas as tuas e as que deixas nos outros, certo?

- Certo. Logo, sendo as tuas memórias um conjunto de acções e pensamentos, e o que perdura nos outros são somente as acções, és mais completo quando pensas. Achas que é ou não uma atenuante?


VM e M(DPA)

2 comentários:

Anónimo disse...

Que comidela de cérebro!
Está altamente! :D

R. Branco disse...

Bem, foi uma grande conversa esta, andas mesmo filosófica ultimamente Vera... Para o ano vais tirar 20 x)

Ly@